"DIVINO AMOR" (2019)



Olá, como vai? #FelizAnoNovo! Espero que muito que você esteja bem. Se não estiver, acredite, as coisas vão melhorar.

O mês de Julho de 2019 veio marcado com uma série de notícias sobre ANCINE (Agência Nacional de Cinema), e o teor de tais comentários e notícias gerou em mim uma revolta e ao mesmo tempo uma reflexão. Eu não posso defender o cinema brasileiro, se eu não valorizá-lo. Essa valorização não esta apenas no âmbito de gostar ou não gostar, mas sim pagar para ver, divulgar, apreciar de verdade em suas estreias, ir aos cinemas, sejam grandes ou pequenos, e assistir. 

É fato que muitas vezes o cinema brasileiro não chega em muitas salas ou não ficam por muito tempo em cartaz, mais o motivo por trás disso é algo a se pensar. A questão da qualidade é relativa. Pode ser bom, pode ser ruim, vale o risco. Obviamente não vou pagar para assistir a um filme que não me atraia, que não tenha uma história que me inspire a assistir. Podem comentar: "mas esse é problema, o cinema brasileiro não oferece histórias interessantes". Será? 

Então veio a minha decisão: pagar para assistir pelo menos um filme brasileiro no cinema todo mês. É um desafio. Mas, sem querer, eu o comecei em Julho, ao assistir "Turma da Mônica: Laços". E prosseguiu. Em Agosto, chegou a vez de "Divino Amor" do diretor Gabriel Mascaro. E com certo atraso trago aqui um texto sobre esse filme incrível! 

A HISTÓRIA E SUAS TEMÁTICAS

O filme se ambienta em Brasil, no ano de 2027 e conta a história de Joana (Dira Paes), uma escrivã de cartório, responsável para dar entrada em processos de divórcio, porém usa de sua posição para salvar os casamentos, fazendo de tudo para que os clientes participem de uma terapia religiosa de reconciliação chamada "Divino amor". Com forte base em dois aspectos: A família é sagrada dentro da fé e "O amor não trai, o amor divide". Tudo que falta a esta mulher para que seu sonho sagrado de família perfeita e cristã seja consumada é um filho. 

Temos aqui um roteiro muito original e instigante que nos leva para algo muito maior do que esperamos ao assistir. É um universo muito possível, verossímil, por mais que o roteiro não ofereça tantos detalhes. Apresenta-se as inovações tecnológicas, a mudança de mentalidade da população, a forma como o cristianismo, mais especificamente o evangélico, passa a ter maior influência em todas as áreas da sociedade. Nesse sentido, temos aqui uma distopia ou uma utopia acerca de um Brasil Evangélico. 

Nesse universo político, temos questões sobre a maternidade, sobre casamento, sobre fidelidade, sobre fé, todos interligados para conta a história dessa mulher que, extremamente enraizada em sua fé, guia a sua vida para alcançar o que mais deseja. O amor divino do título, além de se referir aquela seita cristão, também pode se referir ao amor dessa mulher por Deus e isso a levará por um caminho que me surpreendeu.

É importante destacar que o filme trata da religião, mas em nenhum momento sentir que o filme pretendia ser ofensivo ou crítico a figura de Deus, mas sim crítico e categórico na reflexão sobre a prática humana da fé. Dentro deste culto temos práticas impensadas para uma sociedade que se diz cristã. Com cenas intensas de sexo e de forte caráter regulador nas regras do culto, o filme quer chocar em alguns momentos de forma explícita. Por mais importantes que sejam as cenas para a construção da história, são extremamente fortes e explícitas e sem cortes. Outros, entretanto, possuem uma caráter poético e estético formidáveis.

É um história que tem um ritmo vagoroso. É uma vida cheia de burocracias, de formalidade, de retenções, uma vida de rotina. O marido trabalha para sustentar a casa, a mulher trabalha e seu maior desejo é fortalecer a família e manter-se fiel ao que acredita. 

O final dessa história é surpreendente em certo sentido, pois o seu clímax é extremamente não pautado na "realidade" visível, mas na fé. Ao final da exibição fiz uma comparação, em termos da alegoria e informação trazida pelo filme, com o filme "Mother!" (2018) de Darren Aronofsky, principalmente ao brincar com as figuras bíblicas. 

É importante destacar que a história possui lacunas na criação de seu universo. Ela focaliza muito mais nos personagens e nos seus sentimentos e crises, do que realmente estabelecer um universo detalhado. Em alguns momentos seriam necessárias informações a mais, até para que sentíssemos mais o peso algumas ações. Ao mesmo tempo, destaco que algumas informações sutis sobre o comportamento da sociedade daquele futuro próximo são muito inteligentes como: a tecnologia serve ao estado, as mulheres são mais comportadas nas suas vestimentas, existe um rigor na fala, etc.

OS ASPECTOS TÉCNICOS

A direção do filme é muito operante e criativa, assim como a direção de arte que é impecável. O diretor aplica planos longos, soluções dinâmicas e criativas para cenas muito estáticas. A direção de arte muito pautada no rosa e azul, além da forte relação ideológica dessas cores, soma-se a isto o constante efeito neon. O cenário apresenta muito os sentimentos da personagem principal, você vai percebendo o quanto a personagem tem seu emocional desconstruído a partir dos eventos decorrentes.


Dira Paes se entrega a personagem numa verocidade comovente, o filme não funcionaria sem ela. Destaco todas as cenas em que ela contracena com o pastor na igreja Drive-thur (que por sinal tal estabelecimento gerou alguns risos do público). O restante do elenco é operante, destaco a participação curtíssima de Talita Carauta que dar um peso de fúria em um ambiente tão falsamente calmo. É muito interessante.

ALGUMAS FALHAS

Como eu disse anteriormente, o filme não estabelece completamente todas as regras daquele universos, deixando algumas dúvidas. Estas dúvidas em alguns momentos geravam risos por conta de algumas situações absurdas no público, principalmente no ato final. Contudo, eram cenas mais sérias e aquilo pretendia-se ser mais sério, então o riso acaba sendo algo ruim, pois por mais absurdista que fosse, era possível. O riso, a meu ver, surge de uma falha na criação do universo.

O ritmo do filme é um tanto vagaroso e perde um pouco de potência no final. Poderia-se ter sido construído de uma forma mais intensa, com mais suspense. A revelação final poderia ter tido um impacto maior. 

AFINAL, O FILME É BOM?


Sim. Apesar de algumas falhas, é um dos filmes mais diferentes que já vi, principalmente no âmbito nacional. É um filme que tem uma relação com a atualidade, por mais que ele tenha sido criado há alguns anos atrás. É uma reflexão importante. Muitos podem dizer que é um filme resposta ao atual governo brasileiro, mas creio que não é necessariamente isto que o filme quer, por mais que haja relações. A meu ver é um filme que mostra uma sociedade cercada de princípios religiosos em todos os âmbitos e como as pessoas reagem, criam uma nova cultura a partir disto. Faz pensar: isso é bom ou não? Eu viveria numa sociedade assim? Será que o problema é a religião ou as pessoas e sua forma de viver a religiosidade? Será que as pessoas que se dizem cristãs tem realmente vivenciado uma vida correspondente?  Acredito que a hipocrisia mata uma população, fere princípios, constrói práticas mentirosas. 

Por Jônatas Amaral

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