"Roma" (Netflix, 2018) de Alfónso Cuáron


Parece que não está acontecendo nada na primeira uma hora e meia de filme. Acontece que este é um filme pra te surpreender com o singelo, com o comum elevado a magna potência do cinema. Alfonso Cuáron apresenta sua obra mais pessoal de um jeito artisticamente belo, de roteiro simples, porém profundo, além de oferecer um filme que surpreende pela força dos acontecimentos comuns que se entrelaçam com os momentos históricos que vez ou outra o ser humano perpassa e produz.

"Roma" se passa em um bairro da Cidade do México que dá nome ao filme, entre os anos de 1970 a 1971. Conta a história de Cléo, uma babá/empregada doméstica que trabalha na casa de uma filha de classe média. É um personagem pacata e calada, que está sempre muito ocupada cuidando da vida dos seus patrões com quem tem uma relação bastante próxima. Tem seus momentos de leveza e de saídas fortuitas. Até que um evento em sua vida faz com que ela passe a viver momentos de desamparo.

O filme é vagaroso em muitos momentos, buscando mostrar o trabalho rotineiro da personagem, os pequenos detalhes da vida comum, com um virtuosismo técnico vibrante, porém para aqueles que procuram um roteiro mais objetivo e ágil achará enfadonho. Por muitos momentos, eu sentir essa vagarosidade, contudo ainda não tinha prestado atenção no que, de fato a história, me mostrava.


Inicialmente, eu fiquei intrigado com a noção de divisão de classe apresenta no filme, pois em muitos momentos eu sentia que os patrões e as crianças amavam a Cléo, ajudavam, não a deixaram ir embora, porém ficava sempre muito claro que ela estava ali para trabalhar, não são poucos os momentos em que ela é vista como parte da família, mas que logo alguém pede para que ela faça alguma coisa ou ela é chamada atenção por alguma falha no serviço.

A vagarosidade e a sensação de que nada acontecia (que mencionei anteriormente) se dissipa a partir da metade do segundo ato, quando já nos dirigimos para o ato final. Em uma cena incrível envolvendo artes marciais e uma metáfora incrível acerca da força dessa mulher. Cena que introduz um momento incrível do roteiro que parte para situações de extremo conflito físico, de desequilíbrio. São apresentadas três cenas que, a meu ver, entram pra o rol das cenas inesquecíveis. A primeira envolve um conflito nas ruas, a segunda envolve um hospital e a terceira uma praia. O virtuosismo técnico dessas cenas, mesclado com o valor de enredo e a carga emocional delas são impossíveis de não oferecer ao espectador uma reação.

A partir desse momento, meu olhar sobre o filme mudou. Percebi que a vagarosidade do inicio do filme tinha um por que e, de fato, algo estava acontecendo ali: a vida. A vida é feita de coisas cotidianas que nos formam, é feita de pequenos e grandes atos de pessoas a nossa volta. Cléo é uma personagem palpável, real.

Quando pesquisamos mais sobre o filme, percebemos o quão pessoal ele é. Cuáron diz que esse é um retrato das mulheres que o formaram; É uma homenagem a Libo, a babá de sua infância; além disso durante o filme, não sei se proposital ou não, há muitas cenas que evocam filmes do próprio cineasta, como "Gravidade", por exemplo. É uma película incrível. 




Por Jônatas Amaral

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